domingo, janeiro 30, 2011

A (não-)morte de Rita Amaral

"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim."
(Ausência - Carlos Drummond de Andrade)

"Impedimentos não admito para a união
de corações fiéis: amor não é amor
quando se altera ao perceber alteração
ou cede em desertar quando o outro é desertor.
Oh! Não, ele é um farol imóvel tempo em fora
que as tempestades olha e nem sequer trepida;
é a estrela para as naus, cujo valor se ignora,
mau grado seja a sua altura conhecida.
O amor não é joguete em mãos do tempo, embora
face e lábios de rosa a curva foice abata;
não muda em dias, não termina numa hora,
porém, até o final das eras se dilata.

Se isto for erro e o meu engano for provado
Jamais terei escrito e alguém terá amado."
(Amor Eterno,  Shakespeare)




Faleceu, no início da semana, Rita Amaral. Já foi dito em muitos lugares que ela era antropóloga importante, PhD; pioneira na divulgação de informações sobre a doença Osteogenesis Imperfecta e tratamento no Brasil, bem como na luta por tratamento e melhores condições de vida para os portadores, sendo co-fundadora da Associação Brasileira de Osteogenesis Imperfecta. Seus brilhantes trabalhos acadêmicos podem todos ser vistos em seu curríulo Lattes. Mas o que me importa mais do que tudo é que ela era minha tia. Mais que isso. Era minha alma gêmea, meu alter ego.

Até o começo dessa semana não sabia que era possível sofrer tanto. Ela, mais uma vez, me ensinou algo para o resto da vida. E se sofri de tal forma, foi certeira e exatamente conseqüência de tanto já ter ela me ensinado - uma parte tão grande de mim, já não apenas do que me "preenche", mas da minha própria essência. E continua me ensinando, mesmo depois da morte de seu corpo.

Estou aprendendo coisas que achava já saber simplesmente por ter lido ou ouvido. Estou aprendendo que sentimentos só se aprendem sentindo.

Estou aprendendo que há coisas incomunicáveis. E, portanto, inconsoláveis.

Estou aprendendo que dores da alma também doem no corpo.

Estou aprendendo que o amor verdadeiro é realmente eterno. Independe de tempo ou de distância; mesmo que seja a maior das distâncias físicas, a mais intransponível.

Estou aprendendo que as pessoas podem, de fato, não morrer.

Que a ausência não é falta. Muito ao contrário.

Que saudade é já uma presença.

Que o passado tem que ser aceito, porque não há outra opção.

É, estou aprendendo que há coisas incomunicáveis...

A principal lição (e também a mais difícil) ela vem ensinando desde sempre, com suas ações, a todos que a conheceram: ter coragem. E agora é o momento da prova de aprendizado: será preciso muita coragem para seguir em frente sem ela.

A saudade que ela deixa é enorme, em todo canto; quase tão grande quanto ela, que era completa, ampla, abundante, intensa, extensa. Ela personificava ideais e valores raros; preferia morrer a abandoná-los. Mesclava inteligência sem igual e intuição; conhecimento e ânsia de saber; razão e sensibilidade; informática e arte; seriedade e bom humor; sinceridade e gentileza; amizade e honestidade. Sempre é muito difícil descrevê-la. Tem-se dito muito, esses dias, que ela era forte. De fato, ela era (é, para mim). E, principalmente, corajosa.


 OoOoOoOo




3 comentários:

Katia Ogawa disse...

Chorei muito ao ler seu texto.
Senti cada palavra dele.

Anônimo disse...

Camadas

Ser livre não é manter-se
intocável, sem entregas,
nem se dar também, às cegas,
a tudo o que nos agrade.
Ser livre é viver a idade
que sente o nosso querer,
é viver conforme a vida
é sobretudo viver.
E viver é mergulhar
pra emergir com o submerso,
ampliando,a cada dia,
os limites do universo

Poema de Leila Miccolis

De quem Rita tanto gostava.
Abraco, amiga! Tania

Adriana disse...

Flávio,
vc disse tudo.