sexta-feira, julho 27, 2007

Biologia pré-histórica

O triste legado de uma conquista obtida há 3 milhões de anos

Fernando Reinach
Biólogo

Para entender o que ocorreu em grandes conflitos militares, os arqueólogos escavam os campos de batalha. Recuperando as armas e os mecanismos de defesa, são capazes de reconstituir o que aconteceu.
Da mesma maneira, para entender as "guerras" que ocorreram entre os animais e os vírus, os biólogos têm "escavado" o genoma dos animais em busca de vestígios das batalhas.
Quando um retrovírus infecta um animal, cópias de seu genoma se inserem no genoma do animal infectado e podem ser passados adiante ao longo das gerações. Foi comparando o genoma de macacos e seres humanos que uma batalha que ocorreu faz mais de 3 milhões de anos entre o vírus PtERV e a proteína de defesa TRIM5 foi reconstituída.
A conseqüência dessa batalha é que hoje chimpanzés e gorilas são resistentes ao vírus da aids enquanto nós somos suscetíveis.

VITÓRIA DE PIRRO

No genoma dos chimpanzés existem mais de cem cópias de diversas versões do vírus PtERV. As diferenças entre as cópias demonstra que esses vírus infectaram os macacos 3 milhões de anos atrás. No genoma humano não existe nenhuma cópia desse vírus. Porque ele não infectou seres humanos? Uma possível explicação é que uma proteína de defesa chamada TRIM5 foi capaz de bloquear o ataque do vírus na espécie humana, mas incapaz de bloqueá-lo nos macacos.
Para testar essa hipótese, os cientistas "ressuscitaram" o vírus PtERV a partir do genoma dos macacos e testaram sua capacidade de infectar células humanas e de macacos. Descobriram que o vírus ainda infecta macacos, mas continua incapaz de infectar humanos. Também demonstraram que o fato de os humanos serem resistentes ao vírus se deve à proteína de defesa TRIM5.
A proteína TRIM5 humana, quando colocada em células de macacos, faz com que elas se tornem resistentes ao vírus, e essa resistência é conseqüência de uma única mutação. A explicação, portanto, é que há 3milhões de anos, durante nossa guerra contra o PtERV, em algum de nossos ancestrais surgiu uma mutação no gene da TRIM5 que nos tornou resistentes. Levamos vantagem sobre os macacos.
Mas qual o legado da batalha? A conseqüência é que deixamos de ser resistentes ao vírus da aids. Repetindo os testes com o vírus da aids, os cientistas demonstraram que a mutação que alterou a TRIM5, lá no nosso distante passado, ao mesmo tempo em que nos tornou resistentes ao PtERV fez com que perdêssemos a capacidade de nos proteger contra o HIV. Os chimpanzés e os gorilas, por terem a TRIM5 original, são hoje resistentes ao HIV. Nós, por carregarmos até hoje a mutação, somos suscetíveis ao vírus da aids. Foi uma vitória no passado que está custando caro para a espécie humana no presente.
Mais informações em Restriction of an extinct retrovirus by the human TRIM5 alfa antiviral protein, na Science, volume 316, página1.756, 2007.

(Artigo publicado no Estadão em 26/07/07)

quinta-feira, julho 26, 2007

Origem do "Homo sapiens"

Estudo reforça origem única do ‘Homo sapiens’

A analise de milhares de crânios, combinada a verificações genéticas, demonstrou que os humanos modernos são originários de um local específico na África Subsaariana, enfraquecendo a teoria minoritária das múltiplas origens do Homo sapiens.
A equipe de Andrea Manica, do Departamento de Zoologia da Universidade de Cambridge, avaliou mais de 6 mil crânios de todo o mundo e constatou que a variação de tamanho e formato das peças se reduz a medida que o local de sua descoberta se afasta da África.
O decréscimo é reflexo de que, enquanto a população original era estável e geneticamente variada, apenas um pequeno grupo se engajou em cada etapa migratória para longe do "berço da Humanidade", o que reduziu sua diversidade. Maior variação foi detectada justamente no sudeste africano.
O estudo foi publicado esta semana na Nature.

(O Estado de São Paulo, retirado do Reuters)

quarta-feira, julho 25, 2007

Poesia

Acabei de me tocar que ainda não coloquei "Na Noite Terrível" do Álvaro de Campos aqui. Isso tem que ser reparado:

[Alvaro de Campos - Na Noite Terrivel]
"Na noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites,
Relembro, velando em modorra incômoda,
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado - esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.
Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido -
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso - e foi afinal o melhor de mim - é que nem os Deuses fazem viver...

Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro -
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também.

Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,
Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Claras, inevitáveis, naturais,
A conversa fechada concludentemente,
A matéria toda resolvida...
Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.

O que falhei deveras não tem sperança nenhuma
Em sistema metafísico nenhum.
Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei,
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.
Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os
universos,

Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca
Como uma verdade de que não partilho,
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível p'ra mim."

quinta-feira, julho 19, 2007

"Caos Aéreo"

Por que é que todo esse "caos" se iniciou tão de repente? O que aconteceu depois do acidente entre o Legacy e o avião da Gol? Antes daquele acidente ninguém falava em "caos aéreo" e a situação não estava como ficou depois (pelo menos, que soubéssemos).
Por que só depois que se começou a falar em "caos aéreo" com tanto afinco é que a pista de Congonhas (que já era a mesma antes de todo o "caos") passou a ser perigosa e provocou o maior acidente aéreo do Brasil?
O que os pilotos americanos estavam fazendo mesmo na Amazônia?
E, finalmente, pra onde foi o dinheiro para obras da Infraero?

Nunca saberemos...

Os Malvados


terça-feira, julho 10, 2007

Licenças para as usinas de Jirau e Santo Antônio

As licenças prévias dadas pelo Ibama para as usinas do Rio Madeira significam: "Governo, faça o que quiser; só vou dar o nome de 'prévia' com algumas exigências para que depois ninguém diga que eu não avisei sobre os problemas." Afinal, quem vai fiscalizar as obras? As licenças prévias valem por 2 anos, nos quais, se as condições do Ibama não forem atendidas, será muito tarde para voltar atrás. Torçamos para que as condições sejam atendidas.

Concordo com Karen Suassuna, da área de energia da WWF, quando diz que a liberação das licenças, assim como a decisão de retomar a construção de Angra 3, mostra a prioridade dada pelo governo às obras grandes. "Fica claro que o governo prioriza grandes e polêmicas obras. Não se vê semelhante disposição para desburocratizar usinas de fontes renováveis, nem um plano mais audacioso de eficiência energética. (...) Dados de 2005 mostram que, só com biomassa de cana-de-açúcar, poderíamos gerar 8000 MW, o que já é uma hidrelétrica do Madeira. Hoje, entram na rede elétrica apenas 1500 MW de energia gerada a partir desta fonte."

O Brasil também tem capacidade para gerar 143 GW (várias vezes as usinas do Madeira) de energia eólica, mas o governo parece não saber disto.