Duas décadas de advertências. E aí?
Washington NovaesCostuma o professor Ignacy Sachs, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, citar um de seus mestres poloneses, segundo o qual uma nova idéia precisa de pelo menos duas décadas para ser aceita. Deve ser o mínimo. Isso ficou claro mais uma vez para quem esteve presente às discussões do 2º Congresso Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, promovido esta semana pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Ali – além de haver sido assinado um pacto entre grandes empresas que se comprometem a reduzir suas emissões de gases e outro entre instituições que propõem o fim do desmatamento no País, o aumento no uso de energias renováveis e o estabelecimento de metas nacionais de redução das emissões, entre outros pontos – ocorreu uma discussão sobre os 20 anos do chamado Relatório Brundtland.
Coordenado pela então primeira-ministra da Noruega, a pedido das Nações Unidas, o relatório, com o título Nosso Futuro Comum, consolidou o conceito do que passou a ser chamado de “desenvolvimento sustentável”, aquele capaz de atender às necessidades das atuais gerações sem comprometer os direitos das futuras gerações. Nesse documento de abril de 1987, a coordenadora enfatizava que “os cientistas chamaram a atenção para problemas urgentes e complexos ligados à própria sobrevivência do ser humano: um planeta em processo de aquecimento, ameaças à camada de ozônio, desastres que devoram as terras de cultivo”.
Pois, nestas últimas semanas, 20 anos passados, o noticiário continuou a dizer que o buraco na camada de ozônio permanece em níveis recordes e assim permanecerá por muito tempo, que o drama do aquecimento global continua sem solução, que continuamos a consumir mais recursos naturais do que a biosfera terrestre pode repor. E o ex-secretário da ONU Kofi Annan voltou a advertir: “Se nós não colocarmos o clima sob controle, se não enfrentarmos os desafios do meio ambiente, todos os esforços que estamos fazendo serão inúteis.” E o disse no mesmo dia em que se anunciava um terceiro relatório complementar do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) – a ser divulgado a 4 de maio, na Tailândia –, mostrando que precisamos de mudanças drásticas para evitar que a concentração de gases na atmosfera ultrapasse 450 partes por milhão (ppm) e as perdas no produto bruto mundial superem 3%. Se a concentração chegar a 530 ppm, a perda ficará entre 5% e 20% (como já advertiu o chamado Relatório Stern).
Nas discussões sobre os 20 anos do Relatório Brundtland, em São Paulo, ficou claro que o mestre polonês tem toda a razão. Já em 1988, o IPCC divulgou seu primeiro relatório, basicamente com as mesmas advertências do último (fevereiro de 2007): a temperatura do planeta já se elevara quase 0,8 grau Celsius em conseqüência de ações humanas; o aquecimento estava intensificando secas, inundações, furacões, aumentos de temperatura e perdas de culturas, etc. Quatro anos depois, em 1992, no Rio de Janeiro, assinava-se a Convenção do Clima, que recomendava a redução das emissões de gases poluentes pelos países industrializados, assim como a convenção sobre a diversidade biológica para tentar evitar que ela continuasse a se perder em alta velocidade. Assinava-se, também, a Agenda 21 mundial, com as estratégias e ações capazes de resolver os graves problemas sociais e ambientais do mundo. Maurice Strong, secretário da Eco-92, dizia: “É a nossa última oportunidade de rever os rumos planetários, sob pena de declínio da espécie humana.”
Cinco anos depois, na Rio + 5, Strong voltava à carga: “Precisamos reinventar a civilização industrial.” E o ex-primeiro-ministro soviético Mikhail Gorbachev sentenciava: “Precisamos de novo paradigma; a civilização atual chegou a seu fim, exauriu as suas possibilidades. Temos de chegar a um consenso sobre novos valores. Em 30 a 40 anos a Terra poderá viver sem nós.”
Ouvidos moucos. Na Rio +10 (Johannesburgo, 2002), o presidente da França, Jacques Chirac, depois de estigmatizar a insustentabilidade dos padrões de produção e consumo no mundo, assim como a concentração da renda (gerando as inacreditáveis desigualdades e dramas sociais, que ele chamou de “apartheid mundial”), chicoteava: “As futuras gerações nos cobrarão; ‘vocês sabiam’, dirão elas, ‘e nada fizeram’.”
Chega 2006. O relatório do Programa das Nações Unidas reafirma que estamos consumindo 25% além da capacidade de reposição do planeta. O Relatório Stern diz que, por causa do clima, caminhamos para uma catástrofe econômica e só temos uma década para tentar pelo menos minimizar os prejuízos. Um terceiro relatório, da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), da ONU, assegura que as culturas de carnes precisam reduzir seu impacto sobre o meio ambiente pelo menos em 50% – mas deverão aumentá-lo em 100% até 2020.
Este ano, o IPCC confirma, com grau de certeza muito maior, tudo o que vinha dizendo desde 1988. Mas os Estados Unidos, maior emissor de gases, continuam se recusando a assumir metas de redução – assim como a China, que, em breve, se tornará o maior emissor, o Brasil, quarto maior, a Índia e outros países. Só nesta semana, 15 anos depois de o País haver assinado a Convenção do Clima, o Ministério do Meio Ambiente está criando uma Secretaria de Mudanças Climáticas, depois de haver anunciado, há poucos dias, que “daqui a quatro meses” estará pronto um plano nacional para essa área. Na Agenda 21 nacional, a proposta de construção de um capítulo sobre esse tema – ali apresentada pelo autor destas linhas – foi aprovada há uns dois anos, mas não conseguiu sequer chegar ao papel, quanto mais a uma discussão.
Talvez o mestre polonês ainda fosse muito otimista. Vinte anos parecem pouco, mesmo diante de evidências dramáticas.
segunda-feira, maio 07, 2007
"Duas décadas de advertências. E aí?"
O artigo sobre o qual falei, do Washington Novaes:
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