sábado, novembro 18, 2006

O Espelho

"E então de noite! Não que a noite fosse mais silenciosa. O silêncio era o mesmo que de dia. Mas a noite era a sombra, era a solidão ainda mais estreita ou mais larga. Tic-tac, tic-tac. Ninguém nas salas, na varanda, nos corredores, no terreiro, ninguém em parte alguma... Riem-se?
-- Sim, parece que tinha um pouco de medo.
-- Oh! fora bom se eu pudesse ter medo! Viveria. Mas o característico daquela situação é que eu nem sequer podia ter medo, isto é, o medo vulgarmente entendido. Tinha uma sensação inexplicável. Era como um defunto andando, um sonâmbulo, um boneco mecânico. Dormindo, era outra cousa. O sono dava-me alívio, [...] fazia-me viver. Mas quando acordava, dia claro, esvaía-se, com o sono, a consciência do meu ser novo e único, -- porque a alma interior perdia a ação exclusiva, e ficava dependente da outra [alma externa], que teimava em não tornar... Não tornava."

(Trecho do diálogo de Jacobina com seus companheiros, de "O Espelho" - Contos, Machado de Assis)

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