sexta-feira, outubro 26, 2007

Carlos Drummond de Andrade

ELEGIA

Ganhei (perdi) meu dia.
E baixa a coisa fria
também chamada noite, e o frio ao frio
em bruma se entrelaça, num suspiro.
E me pergunto e me respiro
na fuga deste dia que era mil
para mim que esperava
os grandes sóis violentos, me sentia
tão rico deste dia
e lá se foi secreto, ao serro frio.
Perdi minha alma à flor do dia ou já perdera
bem antes sua vaga pedraria?
Mas quando me perdi, se estou perdido
antes de haver nascido
e me nasci votado à perda
de frutos que não tenho nem colhia?
Gastei meu dia. Nele me perdi.
De tantas perdas uma clara via
por certo se abriria
de mim a mim, estela fria.
As árvores lá fora se meditam.
O inverno é quente em mim, que o estou berçando,
e em mim vai derretendo
este torrão de sal que está chorando.
Ah, chega de lamento e versos ditos
ao ouvido de alguém sem rosto e sem justiça,
ao ouvido do muro,
ao liso ouvido gotejante
de uma piscina que não sabe o tempo, e fia
seu tapete de água, distraída.
E vou me recolher
ao cofre de fantasmas, que a notícia
de perdidos lá não chegue nem açule
os olhos policiais do amor-vigia.
Não me procurem que me perdi eu mesmo
como os homens se matam, e as enguias
à loca se recolhem, na água fria.
Dia,
espelho de projeto não vivido,
e contudo viver era tão flamas
na promessa dos deuses; e é tão ríspido
em meio aos oratórios já vazios
em que a alma barroca tenta confortar-se
mas só vislumbra o frio noutro frio.
Meu Deus, essência estranha
ao vaso que me sinto, ou forma vã,
pois que, eu essência, não habito
vossa arquitetura imerecida;
meu Deus e meu conflito,
nem vos dou conta de mim nem desafio
as garras inefáveis: eis que assisto
a meu desmonte palmo a palmo e não me aflijo
de me tornar planície em que já pisam
servos e bois e militares em serviço
da sombra, e uma criança
que o tempo novo me anuncia e nega.
Terra a que me inclino sob o frio
de minha testa que se alonga,
e sinto mais presente quanto aspiro
em ti o fumo antigo dos parentes,
minha terra, me tens; e teu cativo
passeias brandamente
como ao que vai morrer se estende a vista
de espaços luminosos, intocáveis:
em mim o que resiste são teus poros.
Corto o frio da folha. Sou teu frio.
E sou meu próprio frio que me fecho
longe do amor desabitado e líquido,
amor em que me amaram, me feriram
sete vezes por dia, em sete dias
de sete vidas de ouro,
amor, fonte de eterno frio,
minha pena deserta, ao fim de março,
amor, quem contaria?
E já não sei se é jogo, ou se poesia

sábado, outubro 20, 2007

Harry Potter

Ando sem vontade de escrever "de verdade" no blog. Mas agora me toquei que eu podia falar alguma coisa sobre Harry Potter.
Eu li o sétimo e último livro. Adorei. Foi emocionante em várias partes.
O final, feliz. E, apesar disso, fica uma sensação de despedida, de saudade, nostalgia. Afinal, faz 7 anos que Harry Potter faz parte da minha vida; é como se eu fosse ele e ao mesmo tempo só pudesse observá-lo. E o último livro é como uma despedida desse "eu".
O final podia ser mais completo. Depois de todos esses livros, e mesmo de todos os capítulos do último livro e suas 700 e algumas páginas, o epílogo podia ter um pouco mais de informação. 19 anos ficaram a encargo da imaginação.
Buraco negro superpesado contradiz teorias sobre evolução das estrelas

Uma equipe internacional de astrônomos, combinando dados do telescópio orbital Chandra, da Nasa, e do telescópio de Mauna Kea, no Havaí, determinou que o buraco negro M33 X-7 tem uma massa 16 vezes maior que a do Sol, o que faz dele o mais pesado dos chamados buracos negros estelares – formados a partir do colapso do núcleo de uma estrela – conhecidos, e o torna também em um considerável quebra-cabeça para a teoria da evolução estelar.
“Essa descoberta levanta todo tipo de questionamento sobre como um buraco negro desse tamanho pode ter surgido”, disse o principal autor do artigo que descreve a descoberta, Jerome Orosz, da Universidade Estadual de San Diego, nos Estados Unidos.O trabalho foi publicado na edição desta semana da revista Nature.
O M33 X-7 orbita uma estrela companheira que eclipsa o buraco negro uma vez a cada três dias e meio. A companheira também tem massa incrivelmente alta: 70 massas solares.

FORA DA TEORIA

De acordo com os autores do trabalho, as propriedades do sistema de M33 X-7 – um buraco negro super pesado orbitando uma estrela super pesada, que um dia também será um buraco negro – são difíceis de explicar com base nas premissas teóricas atuais sobre a evolução das estrelas.
Com o tamanho que tem, o buraco negro deveria ter sido, antes de entrar em colapso, ainda maior que a atual estrela companheira.
Essa estrela teria um raio maior que o que separa o buraco negro da companheira, o que significa que as estrelas devem ter estado muito próximas, partilhando de uma atmosfera comum. Mas esse processo deveria ter expelido muita matéria do sistema, sem deixar o bastante para gerar um buraco negro tão pesado.
Antes de explodir, a estrela que originou o buraco negro deve ter eliminado apenas 10% do volume de gás previsto pelos modelos teóricos existentes hoje. (
C.O. COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

Publicado n'O Estado de São Paulo em 18/10/07.

quinta-feira, outubro 04, 2007

Anestesia que Não Imobiliza

Molécula de pimenta gera anestesia que não imobiliza
Ação da capsaicina, responsável pelo ardor do fruto, é direcionada só a nervos sensíveis à dor, sem afetar células motoras, o que evita paralisia.

Cristina Amorim

Imagine tratar um canal sem sentir dor e sem sair do consultório do dentista com o rosto paralisado. Esse é o objetivo de uma pesquisa publicada hoje na revista britânica Nature (www.nature.com), que usa a molécula responsável pelo ardor das pimentas, a capsaicina, para atingir o objetivo.
Três cientistas ligados à Faculdade de Medicina da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, conseguiram criar um anestésico que age somente nos nervos que mandam o sinal de dor ao cérebro, sem afetar as células motoras vizinhas.
Isso porque normalmente os anestésicos atingem todas as células nervosas de determinada região do corpo, sem distinguir quem é quem. O resultado é que, além de a dor ir embora por um tempo, também somem a sensibilidade ao tato e o controle de movimentos. Essa tem sido a regra desde que a anestesia geral foi aplicada pela primeira vez em cirurgia, em1846.

TIRO CERTEIRO

Para fugir disso, o trio trabalhou especificamente com os nervos sensíveis à dor. Desde a década de 1970 sabe-se que esses neurônios específicos possuem poros nas membranas. Eles funcionam como canais que abrem e fecham para permitir a passagem de determinadas moléculas. Tal característica é exclusiva – esses poros ou canais não existem nos outros neurônios, como os motores.
Para atingir apenas as células sensíveis à dor, os cientistas tinham de levar em conta dois passos: abrir os canais para que o anestésico entrasse e usar uma substância que fosse inócua aos outros neurônios.
Foi quando lembraram do QX-314, nome de um derivado do popular anestésico lidocaína. Ele é pouco eficiente quando aplicado pelos métodos tradicionais, porém a situação é outra ao ser levado para dentro dos neurônios certos: ele consegue interferir na corrente elétrica emitida pelas células nervosas, aquela que manda a mensagem “aqui dói” até o cérebro.
O segundo passo seria forçar a passagem. É quando entra a molécula da pimenta. A capsaicina funciona como uma chave-mestra e consegue abrir esses poros. Assim, as duas moléculas aplicadas juntas – a lidocaína QX-314 e a capsaicina – foram capazes de conter a dor sem atrapalhar os movimentos.

TESTE

A experiência foi feita em ratos. Eles primeiro receberam uma aplicação das duas moléculas nas patas e andaram normalmente em uma placa quente, sem apresentar muita sensibilidade ao calor excessivo.
Num segundo momento, os cientistas aplicaram a combinação química no nervo ciático dos animais e espetaram suas patas, sem que qualquer reação fosse esboçada. Ao mesmo tempo, os roedores continuaram a se mover tranqüilamente, sem mostrar nenhum comprometimento motor.
O grupo está confiante de que a estratégia pode ser transferida para tratar pessoas com o avanço do estudos. “Os neurônios sensíveis à dor são parecidos em ratos e em humanos”, diz Bruce Bean, um dos pesquisadores. Para Clifford Woolf, outro autor do estudo, a técnica “poderia ser levada a muitas operações”. (COM REUTERS)

Publicado n'O Estado de São Paulo em 04/10/2007.