"Frutos, dão-os as árvores que vivem,
Não a iludida mente, que só se orna
Das flores lívidas
Do íntimo abismo.
Quantos reinos nas mentes e nas coisas
Te não talhaste imaginário! Tantos
Sem ter perdeste,
Sonhos cidades!
Ah, não consegues contra o adverso muito
Criar mais que propósitos frustrados!
Abdica e sê
Rei de ti mesmo."
(Ricardo Reis - Fernando Pessoa)
Hoje, fui à Av. Paulista, com 3 amigos, passear. Íamos ao cinema e a uma exposição do SESC. Acabamos assistindo só ao filme, pois a sessão que queriamos tinha mudado e tivemos que ir a outro cinema.
Já havia algumas semanas que eu queria assistir ao L'Âge des Tenébres (cujo título foi traduzido, ridiculamente, por "A Era da Inocência"), considerado o fechamento de uma trilogia com "O Declínio do Império Americano" e "As Invasões Bárbaras", de Denys Arcand. Finalmente, vi e gostei.
A poesia de Ricardo Reis acima poderia ter sido escrita para Jean-Marc Leblanc, o personagem principal (poesia que, ainda sem saber disso, copiei da livraria que visitamos antes da sessão). Jean-Marc é quase invisível para sua mulher e filhas, que estão sempre no celular ou com fones nos ouvidos; sua mãe, aparentemente a única família restante, está cada vez mais ausente psicologicamente, internada num asilo; seu trabalho, no governo, é ouvir pessoas em "situações piores que a dele" (e, geralmente, dizer que não há nada que se possa fazer - pois "é a lei" - ou que o assunto é de outro departamento). Em meio a isso e a tudo mais que ocorre, ele vive se refugiando em fantasias: se vê um homem famoso, admirado, ganhador de prêmios, com mulheres apaixonadas. Na vida real, porém, apenas aceita e "vai levando", frustrado, tudo que acontece. [Daqui pra frente, vem spoiler. Estou avisando...]
Quando sua mulher vai viver com o chefe em Toronto, ele começa a procurar mudar. O problema seria saber como fazê-lo, mas, no fundo, ele sabe que a primeira coisa a fazer é deixar realmente para trás a vida que tinha levado até alí. E ter a coragem para isto é o difícil: aceitar que aqueles anos passaram. Mesmo que tenham sido anos nos quais ele não fôra feliz, deixá-los para trás é aceitar, de uma vez, que não há mais nada que se possa fazer quanto àquela parte frustrada de sua vida. (Mesmo que o casamento fosse infeliz, ele estava casado "havia anos".)
Ele conhece uma mulher que o leva para um evento temático da Idade Média, onde ela é uma condessa, disputada por cavaleiros em duelos. Lugar cheio de pessoas que, como ele, buscam algum refúgio na fantasia. A crítica que ele faz a esta mulher (de que aquilo não seria uma solução), a morte de sua mãe, que "não tinha ninguém", e a raiva que sente ao ver que sua mulher voltou como se nada tivesse acontecido, finalmente o fazem decidir se despedir de suas próprias fantasias.
Ele vai morar na casa vazia dos pais, em uma praia. Lá, começa a ajudar a cultivar e cuidar do jardim e da horta, junto com seus novos vizinhos, enquanto cultiva e cuida de si mesmo e de sua vida "nova", sem mais fantasias.
[Acabou o spoiler]
Além disso, o filme possui inúmeros outros detalhes e críticas ótimos, trilha sonora que capta bem o clima do filme (há uma cena em que a música se mistura ao barulho do trêm, captando, mais do que o filme, o próprio ritmo e ansiedade da contemporaneidade) e bons atores (a atuação é bem focada em Marc Lebréche).
A história não é uma continuação de "Invasões Bárbaras", mas creio que consideram que faz parte da mesma trilogia por ser mais uma crítica de Denys Arcand (e para aproveitar a fama dos outros dois filmes).
Ainda não vi O Declínio do Império Americano, mas já comprei e vou ver esta semana.
sexta-feira, março 21, 2008
domingo, março 02, 2008
A Cadeira de Prata - Nárnia
A Rainha do Submundo
"[...] Uma cachoeira de lembranças caiu sobre Jill [...], mas pareciam imagens apagadas e distantes. (Drum-drim-drim, repenicava o bandolim.) Jill não conseguia lembrar-se das coisas de nosso mundo. E dessa vez não lhe ocorreu que estava sendo enfeitiçada, pois a magia atingira o auge. [...]
O príncipe e as duas crianças estavam de cabeça caída, as faces coradas, os olhos semicerrados; fugira-lhes toda a energia, o sortilégio era quase total. [...]
Mas Brejeiro, juntando desesperadamente o resto de suas forças, caminhou até a lareira [...] e espezinhou as brasas, apagando um pouco o fogo. [...] O doce e pesado [inebriante] aroma diminuiu muito. [...] E a própria dor esclareceu completamente a cabeçca de Brejeiro, pois não há nada como um impacto doloroso para desfazer certas espécies de magia.
— Uma palavrinha, dona - disse ele, mancando de dor -, uma palavrinha: tudo o que disse é verdade. Sou um sujeito que gosta logo de saber tudo para enfrentar o pior com a melhora cara possível. Não vou negar nada do que a senhora disse. Mas mesmo assim uma coisa ainda não foi falada. Vamos supor que nós sonhamos, ou inventamos, aquilo tudo - árvores, relva, sol, lua, estrelas e até Aslam. Vamos supor que sonhamos: ora, nesse caso, as coisas inventadas parecem um bocado mais importantes que as coisas reais. Vamos supor então que esta fossa, este seu reino, seja o único mundo existente. Pois, para mim, o seu mundo não basta. E vale muito pouco. E o que estou dizendo é engraçado, se a gente pensar bem. Somos apenas uns bebezinhos brincando, se é que a senhora tem razão, dona. Mas quatro crianças brincando podem construir um munbdo de brinquedo que dá de dez a zero no seu mundo real. Por isso é que prefiro o mundo de brinquedo. Estou do lado de Aslam, mesmo que não haja Aslam. Quero vivier como um narniano, mesmo que Nárnia não exista. Assim, agradecendo sensibilizado a sua ceia, se estes dois cavalheiros e a jovem dama estão prontos, estamos de saída para os caminhos da escuridão, onde passaremos nossas vidas procurando o Mundo de Cima. Não que nossas vidas devam ser muito longas, certo; mas o prejuízo é pequeno se o mundo existente é um lugar tão chato como a senhora diz. [...]"
O príncipe e as duas crianças estavam de cabeça caída, as faces coradas, os olhos semicerrados; fugira-lhes toda a energia, o sortilégio era quase total. [...]
Mas Brejeiro, juntando desesperadamente o resto de suas forças, caminhou até a lareira [...] e espezinhou as brasas, apagando um pouco o fogo. [...] O doce e pesado [inebriante] aroma diminuiu muito. [...] E a própria dor esclareceu completamente a cabeçca de Brejeiro, pois não há nada como um impacto doloroso para desfazer certas espécies de magia.
— Uma palavrinha, dona - disse ele, mancando de dor -, uma palavrinha: tudo o que disse é verdade. Sou um sujeito que gosta logo de saber tudo para enfrentar o pior com a melhora cara possível. Não vou negar nada do que a senhora disse. Mas mesmo assim uma coisa ainda não foi falada. Vamos supor que nós sonhamos, ou inventamos, aquilo tudo - árvores, relva, sol, lua, estrelas e até Aslam. Vamos supor que sonhamos: ora, nesse caso, as coisas inventadas parecem um bocado mais importantes que as coisas reais. Vamos supor então que esta fossa, este seu reino, seja o único mundo existente. Pois, para mim, o seu mundo não basta. E vale muito pouco. E o que estou dizendo é engraçado, se a gente pensar bem. Somos apenas uns bebezinhos brincando, se é que a senhora tem razão, dona. Mas quatro crianças brincando podem construir um munbdo de brinquedo que dá de dez a zero no seu mundo real. Por isso é que prefiro o mundo de brinquedo. Estou do lado de Aslam, mesmo que não haja Aslam. Quero vivier como um narniano, mesmo que Nárnia não exista. Assim, agradecendo sensibilizado a sua ceia, se estes dois cavalheiros e a jovem dama estão prontos, estamos de saída para os caminhos da escuridão, onde passaremos nossas vidas procurando o Mundo de Cima. Não que nossas vidas devam ser muito longas, certo; mas o prejuízo é pequeno se o mundo existente é um lugar tão chato como a senhora diz. [...]"
Assinar:
Postagens (Atom)